Descrição objetiva e descrição subjetiva
É possível descrever um objeto, um ser animado ou inanimado ou um
processo - o que é descrito é chamado tema núcleo da descrição. O texto
descritivo não tem um narrador, como no texto narrativo, mas um observador.
Quando a intenção do observador é apresentar de forma prática e impessoal o
tema núcleo temos uma descrição objetiva.
Publicações técnicas ou científicas costumam
apresentar textos descritivos, pois seu objetivo é justamente apresentar
seres, fenômenos e processos.
Quando o observador procura apresentar o tema núcleo de maneira mais pessoal,
relacionando-o à sua experiência, temos uma descrição
subjetiva.
Em textos narrativos e dissertativos também há trechos descritivos,
necessários para apresentar personagens, cenários, cenas, processos e exemplos para a argumentação.
Em resumo:
Descrição objetiva é aquela
em que o observador apresenta o temanúcleo de maneira impessoal, fazendo a
representação fiel do aspecto exterior.
Descrição subjetiva é aquela
em que o observador apresenta o tema-núcleo de maneira pessoal, empregando a
imaginação e externando suas impressões pessoais.
Descrição de pessoa, de ambiente e de objeto
O objetivo da produção de um texto determina o modo de
organização que prevalecerá sobre os demais, mas
dificilmente se encontram textos "puros”. Em um texto narrativo, é muito
comum encontrar diversos trechos descritivos por meio dos quais as
personagens, ambientes e objetos são descritos.
Veja um exemplo de descrição de pessoa:
O menino é pai do homem
"Cresci; e nisso é que a família não interveio;
cresci naturalmente, como crescem as magnólias e
os gatos. Talvez os gatos são menos matreiros, e, com certeza, as magnólias
são menos inquietas do que eu era na minha infância. Um poeta dizia que o
menino é pai do homem. Se isto é verdade, vejamos
alguns Iineamentos do menino.
Desde os cinco anos merecera eu a alcunha de 'menino-diabo'; e
verdadeiramente não era outra coisa; fui dos mais malignos do meu tempo,
arguto, indiscreto, traquinas e voluntarioso. Por exemplo, um dia quebrei a
cabeça de uma escrava, porque me negara uma colher do doce de coco que estava
fazendo, e, não contente com o malefício, deitei um punhado de cinza ao
tacho, e, não satisfeito da travessura, fui dizer
à minha mãe que a escrava é que estragara o doce 'por pirraça'; e eu tinha
apenas seis anos. (...) Esconder os chapéus das visitas, deitar rabos de
papel a pessoas graves, puxar pelo rabicho das
cabeleiras, dar beliscões nos braços das matronas, e outras muitas façanhas
deste jaez, eram mostras de um gênio indócil, mas devo crer que eram também
expressões de um espírito robusto, porque meu pai tinha-me grande admiração;
e, se às vezes me repreendia, à vista de gente,
fazia-o por simples formalidade: em particular dava-me beijos."
ASSIS, Machado de. Memórias póstumas de Brás Cubas.
São Paulo: Moderna, 1994 (Coleção Travessias).
O trecho que você acaba de ler faz parte de uma narrativa em 1ª
pessoa. O narrador descreve a si mesmo durante a infância. Concentra-se em
definir seu comportamento e personalidade: "(...) fui dos mais malignos
do meu tempo (...) e voluntarioso”: Descreve algumas de suas ações - "Esconder os chapéus das visitas"
- para indicar que tinha gênio indócil e espírito
robusto. Enfatiza as suas características psicológicas.
A descrição de pessoa pode indicar também as características
físicas da personagem. A escolha de quais características serão apresentadas
é feita a partir da importância que elas podem apresentar dentro da história.
Observe na estrofe a seguir uma descrição de pessoa em que as
características físicas e psicológicas estão mescladas:
"Os seus cabelos eram ondeados e lustrosos; o vigor
da saúde transparecia-Ihe nas faces; os seus olhos cintilavam de uma luz
maliciosa, de bom humor e de pensamentos
elevados."
WILDE, Oscar. O retrato de Dorian Gray. São Paulo:
Folha de S. Paulo/Ediouro, 1998.
Veja agora um exemplo de descrição de ambiente:
A sala
"Entremos, já que as portas se abrem de par em par,
cerrando-se logo depois de nossa passagem. A sala não é grande, mas espaçosa; cobre as paredes um papel
aveludado de sombrio escarlate, sobre o qual destacam entre os espelhos duas
ordens de quadros representando os mistérios de lesbos. Deve fazer ideia da
energia e aparente vitalidade com que as linhas e colorido dos contornos se
debuxavam no fundo rubro, ao trêmulo da claridade deslumbrante do gás.
A mesa oval, preparada para oito convivas, estava
colocada no centro sobre um estrado, que tinha o espaço necessário para o
serviço dos criados; o resto do soalho desaparecia sob um felpudo e macio
tapete, que acolchoava o roda pé e também os bordos do estrado."
ALENCAR, José de. Luciola. São Paulo: Ediouro, 2000.
Os adjetivos empregados estão relacionados à cor, ao tamanho, ao
material de que são feitos os objetos, às proporções de um ambiente fechado.
Observe os detalhes de uma pequena joia nesta descrição de
objeto:
O adereço
"Ao sair vi um adereço de azeviche muito
simplesmente lavrado, e por isso mesmo ainda mais lindo na sua simplicidade.
Tênue filete de ouro embutido bordava a face polida e negra da pedra. (...)
Não resisti; comprei o adereço, e tão barato, que hesitei se devia
oferecê-Io."
ALENCAR, José de. Ludola.
São Paulo: Ediouro, 2000.
O autor revela o material de que é
feita a joia, o seu formato e a sua cor. Na descrição de objeto, podem-se também
acrescentar detalhes sobre a utilidade, o tamanho, o peso, o cheiro e a
origem. A relação entre a história e o objeto determinará se a descrição será
objetiva ou subjetiva.
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Texto 1
Respiração submersa
"O submarino, quando mergulha, mantém a pressão
atmosférica da superfície. Seus tripulantes respiram o ar que, na hora da
imersão, ficou confinado no interior da embarcação. As taxas de oxigênio (O 2)
e gás carbônico (CO 2) são constantemente monitoradas, apresentado o estado
de pureza do ar respirável. O CO 2 produzido pela respiração dos
tripulantes é absorvido por compostos químicos e o submarino possui uma série
de ampolas de oxigênio puro, liberado sempre que
sua quantidade no ar baixa a um determinado limite. (...)"
Galileu, Rio de Janeiro: Globo, fev. 2003.
1- O texto que você acaba de ler foi
escrito para responder à pergunta de um leitor ("Como se obtém ar para a
tripulação dos submarinos?") enviada à redação da revista Galileu. Nesse
texto, qual é o tema-núcleo?
2- O texto permite ao leitor saber tudo a respeito de um
submarino? Por quê?
3- Considerando a resposta dada à questão anterior, comente: uma
descrição precisa necessariamente apresentar
todos os detalhes do objeto, ser ou processo descrito? Por quê?
Texto 2
Ninguém se banha duas vezes
no mesmo rio
"Estou deitado na margem. Dois barcos, presos a um
tronco de salgueiro cortado em remotos tempos, oscilam ao jeito do vento, não
da corrente, que é macia, vagarosa, quase invisível. A paisagem em frente,
conheço-a. Por uma aberta entre as árvores, vejo as terras lisas da lezíria,
ao fundo uma franja de vegetação verde-escura, e depois, inevitavelmente, o
céu onde boiam nuvens que só não são brancas porque a tarde chega ao fim e há
o tom de pérola que é o dia que se extingue. Entretanto, o rio corre. (...)
Três metros acima da minha cabeça estão presos nos ramos rolos de palha,
canalhas de milho, aglomerados de lodo seco. São os vestígios da cheia. À
esquerda, na outra margem, alinham-se os freixos que, a esta distância, por
obra do vento que Ihes estremece as folhas numa vibração interminável, me
fazem lembrar o interior de uma colmeia. (...)
Entretanto, enquanto vou pensando, o rio continua a passar, em silêncio. Vem
agora no vento, da aldeia que não está longe, um lamentoso toque de sinos:
alguém morreu, sei quem foi, mas de que serve dizê-Io? Muito alto, duas
garças brancas (ou talvez não sejam garças, não importa) desenham um bailado
sem princípio nem fim: vieram inscrever-se no meu tempo, irão depois
continuar o seu, sem mim.
Olho agora o rio que conheço tão bem. A cor das águas, a maneira como
escorregam ao longo das margens, as espadanas3 verdes, as plataformas de
limos onde encontram chão as rãs, onde as libélulas (também chamadas
tira-olhos) pousam a extremidade das pequenas garras - este rio é qualquer
coisa que me corre no sangue, a que estou preso desde sempre e para sempre.
Naveguei nele, aprendi nele a nadar, conheço-lhe os fundões e as locas onde
os barbos pairam imóveis. É mais do que um rio, é talvez um segredo.
E, contudo, estas águas já não são as minhas águas. O tempo flui nelas,
arrasta-as e vai arrastando na corrente líquida, devagar, à velocidade (aqui,
na terra) de sessenta segundos por minuto. Quantos minutos passaram já desde
que me deitei na margem, sobre o feno seco e doirado? Quantos metros andou
aquele tronco apodrecido que flutua? O sino ainda toca, a tarde teve agora um
arrepio, as garças onde estão? Devagar, levanto-me, sacudo as palhas
agarradas à roupa, calço-me. Apanho uma pedra, um seixo redondo e denso,
lanço-o pelo ar, num gesto do passado. Cai no meio do rio, mergulha (não
vejo, mas sei), atravessa as águas opacas, assenta no lodo do fundo,
enterra-se um pouco. (...)
Desço até à água, mergulho nela as mãos, e não as reconheço. Vêm-me da
memória outras mãos mergulhadas noutro rio. As minhas mãos de há trinta anos,
o rio antigo de águas que já se perderam no mar. Vejo passar o tempo. Tem a
cor da água e vai carregado de detritos, de pétalas arrancadas de flores, de
um toque vagaroso de sinos. Então uma ave cor de fogo passa como um
relâmpago. O sino cala-se. E eu sacudo as mãos molhadas de tempo, levando-as
até aos olhos - as minhas mãos de hoje, com que prendo a vida e a verdade
desta hora."
SARAMAGO, José. Deste mundo e do outro.
Lisboa: Editorial Caminho, 1985.
1- O texto que você leu é predominantemente descritivo. O
observador apresenta suas impressões a respeito do tempo comparando-o a um
rio e afirma: "Estou deitado na margem”: Explique o significado dessa
frase.
2- No 2º parágrafo, o observador compara a vibração das folhas ao
interior de uma colmeia. Por que é possível afirmar que essa é uma comparação
subjetiva?
3- Ao ler 4º parágrafo, percebe-se que existe uma ligação maior
entre o observador e o rio. De que forma se pode comprovar essa ideia no
texto?
4- Explique por que o observador diz, no 5º parágrafo, que
"estas águas já não são as minhas águas".
5- Ainda no 5º parágrafo, o observador indica alguns possíveis
destinos para a pedra. Compare esses destinos às possíveis atitudes das
pessoas em relação ao tempo.
6- No último parágrafo, o observador sente-se um estranho, ao
mergulhar suas mãos nas águas do rio.
a) O que o faz imaginar-se tão diferente naquele momento?
b) Interprete esta imagem: "E eu sacudo as mãos molhadas de tempo".
7- Por que o observador tenta reter com suas mãos, no presente,
"a vida e a verdade" daquela hora?
8- Explique o título do texto: "Ninguém se banha duas vezes
no mesmo no”
9- Comparando os textos 1 e 2, pode-se perceber uma diferença na
maneira como a descrição é feita. Que diferença é essa?
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