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CECIERJ
Formação Continuada em Língua Portuguesa 1º ciclo do 2º bimestre da 2ª Série do Ensino Médio
Coordenação
Geral
Rívia Fonseca Gerência de Produção Luiz Barboza Coordenação Acadêmica Gerson Rodrigues Coordenação de Equipe Leandro N. Cristino
Conteudistas
Gileade Godoi
Paula Behring
Simone Lopes
Vanessa Britto
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ROTEIRO DE ATIVIDADES
- 2º bimestre da 2ª Série do
Ensino Médio: 1º CICLO – Conto e Romance
no Realismo e Naturalismo
EIXO BIMESTRAL:
CONTO E ROMANCE NO REALISMO E NATURALISMO / ARTIGO
DE DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA
APREsentação
Caro aluno,
Neste
roteiro, será apresentada a primeira série de atividades articuladas de leitura, uso da língua e produção textual
que fornecerão uma visão bem próxima sobre conto e romance no Realismo e Naturalismo.
Aproveite, então, as leituras, os exercícios e a chance que você terá de
exercitar a sua criatividade!
TEXTO GERADOR I
Na segunda
metade do século XIX, surge o Realismo, um estilo literário que se opõe ao
egocentrismo, à subjetividade e à fuga da realidade, características
tipicamente românticas. Um exemplo disso é a obra “Memórias póstumas de Brás
Cubas”, de Machado de Assis, em que o “defunto autor” Brás Cubas explica sua
própria morte e reflete sobre vários episódios de sua vida. Ao mesmo tempo em
que mostra sua realidade pessoal, o narrador deixa ver uma abordagem crítica do
contexto social e histórico anterior à abolição da escravatura. Segue abaixo o
capítulo “A herança”, fragmento em que o autor apresenta o jogo de interesses
em família após a morte do pai.
A HERANÇA
Veja-nos
agora o leitor, oito dias depois da morte de meu pai, minha irmã sentada num
sofá, — pouco adiante, o Cotrim, de pé, encostado a um consolo, com os braços cruzados e a morder o bigode, — eu a passear
de um lado para outro, com os olhos no chão. Luto pesado. Profundo silêncio.
— Mas
afinal, disse Cotrim; esta casa pouco mais pode valer de trinta contos; demos
que valha trinta e cinco...
— Vale cinquenta,
ponderei; Sabina sabe que custou cinquenta e oito...
— Podia
custar até sessenta, tomou Cotrim; mas não se segue que os valesse, e menos
ainda que os valha hoje. Você sabe que as casas, aqui há anos, baixaram muito.
Olhe, se esta vale os cinquenta contos, quantos não vale a que você deseja para
si, a do Campo?
— Não
fale nisso! Uma casa velha.
— Velha!
exclamou Sabina, levantando as mãos ao tecto.
— Parece-lhe nova, aposto?
— Ora,
mano, deixe-se dessas cousas, disse
Sabina, erguendo-se do sofá; podemos arranjar tudo em boa amizade, e com lisura. Por exemplo, Cotrim não aceita
os pretos, quer só o boleeiro de papai e o Paulo...
— O
boleeiro não, acudi eu; fico com a sege
e não hei de ir comprar outro.
— Bem; fico
com o Paulo e o Prudêncio.
— O
Prudêncio está livre.
— Livre?
— Há dous anos.
— Livre?
Como seu pai arranjava estas cousas
cá por casa, sem dar parte a ninguém! Está direito. Quanto à prata... creio que
não libertou a prata?
Tínhamos
falado na prata, a velha prataria do tempo de Dom José I, a porção mais grave
da herança, já pelo lavor, já pela vetustez, já pela origem da
propriedade; dizia meu pai que o Conde da Cunha, quando vice-rei do Brasil, a
dera de presente a meu bisavô Luís Cubas.
— Quanto
à prata, continuou o Cotrim, eu não faria questão nenhuma, se não fosse o
desejo que sua irmã tem de ficar com ela; e acho-lhe razão. Sabina é casada, e
precisa de uma copa digna, apresentável. Você é solteiro, não recebe, não...
— Mas
posso casar.
— Para
quê? interrompeu Sabina.
Era tão
sublime esta pergunta, que por alguns instantes me fez esquecer os interesses.
Sorri; peguei na mão de Sabina, bati-lhe levemente na palma, tudo isso com tão
boa sombra, que o Cotrim interpretou o gesto como de aquiescência, e agradeceu-mo.
— Que é
lá? redargui; não cedi cousa nenhuma, nem cedo.
— Nem
cede?
Abanei a
cabeça.
— Deixa,
Cotrim, disse minha irmã ao marido; vê se ele quer ficar também com a nossa
roupa do corpo, é só o que falta.
— Não
falta mais nada. Quer a sege, quer o
boleeiro, quer a prata, quer tudo. Olhe,
é muito mais sumário citar-nos a
juízo e provar com testemunhas que Sabina não é sua irmã, que eu não sou seu
cunhado, e que Deus não é Deus. Faça isto, e não perde nada, nem uma colherinha.
Ora, meu amigo, outro ofício!
Estava
tão agastado, e eu não menos, que entendi oferecer um meio de conciliação;
dividir a prata. Riu-se e perguntou-me a quem caberia o bule e a quem o
açucareiro; e depois desta pergunta, declarou que teríamos tempo de liquidar a pretensão, quando menos em juízo. Entretanto,
Sabina fora até a janela que dava para a chácara, — e depois de um instante,
voltou, e propôs ceder o Paulo e outro preto, com a condição de ficar com a
prata; eu ia dizer que não me convinha, mas o Cotrim adiantou-se e disse a
mesma cousa.
— Isso
nunca! não faço esmolas! disse ele.
Jantamos
tristes. Meu tio cônego apareceu à
sobremesa, e ainda presenciou uma pequena altercação.
— Meus
filhos, disse ele, lembrem-se que meu irmão deixou um pão bem grande para ser
repartido por todos.
Mas
Cotrim:
— Creio,
creio. A questão, porém, não é de pão, é de manteiga. Pão seco é que eu não
engulo.
Fizeram-se
finalmente as partilhas, mas nós estávamos brigados. E digo-lhes que, ainda
assim, custou-me muito a brigar com Sabina. Éramos tão amigos! Jogos pueris,
fúrias de crianças, risos e tristezas da idade adulta, dividimos muita vez esse
pão da alegria e da miséria, irmãmente, como bons irmãos que éramos. Mas
estávamos brigados. Tal qual a beleza de Marcela, que se esvaiu com as bexigas.
(ASSIS, Machado de. Memórias
Póstumas de Brás Cubas. Rio de Janeiro: Rovelle, 2008, p. 72-74. Texto
adaptado.)
Altercação: bate-boca, contestação.
Aquiescência: consentimento.
Boleeiro: pessoa que
dirige as carruagens, cocheiro.
Cônego: Clérigo que é membro de um cabido, e ao qual impendem obrigações
religiosas em uma sé ou colegiada.
Consolo: móvel de sala.
Cousa: coisa.
Dous: dois.
Lavor: trabalho manual, ornado em relevo.
Liquidar: resolver questão.
Lisura: falta de dinheiro.
Ofício: obrigação, incumbência, dever.
Redargui: respondeu, revidou.
Sege: Antiga carruagem com duas rodas e um só assento, fechada
com cortinas na frente.
Sumário: resumido, breve, simples.
Tecto: teto.
Vetustez: característica de muito velho.
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ATIVIDADE
DE LEITURA
QUESTÃO 1
No
capítulo “A herança”, Machado de Assis descreve de uma maneira crítica e
irônica o comportamento de Brás Cubas, o modo de agir da irmã Sabina e do
cunhado Cotrim perante a partilha da herança de seu pai, trazendo à tona
olhares de cobiça, de ganância, de competição e de interesse por um bem material.
Além disso, há um tom de crítica à escravidão, revelado pelas atitudes dos
personagens a respeito dos negros Paulo e Prudêncio. Diante disso, responda:
A)
Explique o interesse de Sabina e Cotrim
pela prataria da família.
B)
Explique os parágrafos do texto que mostram
como Brás Cubas, Sabina e Cotrim se referem aos negros Paulo e Prudêncio.
Habilidade trabalhada
Relacionar a
literatura realista/naturalista ao contexto sócio-histórico.
ATIVIDADE
DE LEITURA
QUESTÃO 2
Machado
de Assis quebra as expectativas ao promover uma inversão temporal que faz a
narrativa de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” começar pelo óbito de seu
protagonista. Outra marca inovadora presente no romance é que o “defunto autor”
criado por Machado mantém um diálogo com o leitor.
A
partir disso, volte ao texto gerador I e observe o modo como o
narrador-personagem Brás Cubas revela seus sentimentos e como, em dadas
passagens, parece estabelecer uma conversa com o leitor. Em seguida, responda
às questões:
A) Comente a abordagem
psicológica neste romance.
B) Identifique os
recursos usados pelo autor para dialogar com o leitor.
Habilidade trabalhada
Relacionar os
modos de organização da linguagem na literatura às escolhas do autor, à
tradição literária e também ao contexto social da época.
TEXTO GERADOR II
“Dom
Casmurro” (1899) é considerado um dos romances mais importantes da literatura
brasileira. Machado de Assis consegue fazer de uma história banal uma grande
obra. A narrativa de um menino apaixonado por sua amiga de infância e que
rejeita a ideia de se tornar padre, como queria sua mãe, dará início a um texto
de construção delicada, marcado por rara sondagem psicológica. No fragmento a seguir, o narrador-personagem
Bentinho tenta encontrar uma forma para descrever os olhos de Capitu, sua
primeira amiga e que se torna o grande amor de sua vida.
Olhos de Ressaca
Tudo era matéria às curiosidades de Capitu. Caso houve, porém, no qual
não sei se aprendeu ou ensinou, ou se fez ambas as coisas, como eu. É o que
contarei no outro capítulo. Neste direi somente que, passados alguns dias do
ajuste com o agregado, fui ver a
minha amiga; eram dez horas da manhã. D. Fortunata, que estava no quintal, nem
esperou que eu lhe perguntasse pela filha.
— Está na sala, penteando o cabelo, disse-me; vá devagarzinho para lhe
pregar um susto.
Fui devagar, mas ou o pé ou o espelho traiu-me. Este pode ser que não
fosse; era um espelhinho de pataca
(perdoai a barateza), comprado a um mascate
italiano, moldura tosca, argolinha de latão, pendente da parede, entre as duas
janelas. Se não foi ele, foi o pé. Um ou outro, a verdade é que, apenas entrei
na sala, pente, cabelos, toda ela voou pelos ares, e só lhe ouvi esta pergunta:
— Há alguma coisa?
— Não há nada, respondi; vim ver você antes que o Padre Cabral chegue
para a lição. Como passou a noite?
— Eu bem. José Dias ainda não falou?
— Parece que não.
— Mas então quando fala?
— Disse-me que hoje ou amanhã pretende tocar no assunto; não vai logo de
pancada, falará assim por alto e por longe, um toque. Depois, entrará em matéria. Quer
primeiro ver se mamãe tem a resolução feita...
— Que tem, tem, interrompeu Capitu. E se não fosse preciso alguém para
vencer já, e de todo, não se lhe falaria. Eu já nem sei se José Dias poderá
influir tanto; acho que fará tudo, se sentir que você realmente não quer ser
padre, mas poderá alcançar?... Ele é atendido; se, porém... É um inferno isto!
Você teime com ele, Bentinho.
— Teimo; hoje mesmo ele há de falar.
— Você jura?
— Juro! Deixe ver os olhos, Capitu.
Tinham-me lembrado a definição que José Dias dera deles, "olhos de
cigana oblíqua e dissimulada". Eu não sabia o que
era oblíqua, mas dissimulada sabia, e queria ver se se podiam chamar assim.
Capitu deixou-se fitar e examinar. Só me perguntava o que era, se nunca os
vira; eu nada achei extraordinário; a cor e a doçura eram minhas conhecidas. A
demora da contemplação creio que lhe deu outra ideia do meu intento; imaginou
que era um pretexto para mirá-los mais de perto, com os meus olhos longos,
constantes, enfiados neles, e a isto atribuo que entrassem a ficar crescidos,
crescidos e sombrios, com tal expressão que...
Retórica dos namorados, dá-me uma comparação exata e poética para dizer
o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode imagem capaz de dizer, sem
quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá
ideia daquela feição nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico,
uma força que arrastava para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos
dias de ressaca. Para não ser arrastado, agarrei-me às outras partes vizinhas,
às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros; mas tão depressa
buscava as pupilas, a onda que saía delas vinha crescendo, cava e escura,
ameaçando envolver-me, puxar-me e tragar-me. Quantos minutos gastamos naquele
jogo? Só os relógios do céu terão marcado esse tempo infinito e breve. A
eternidade tem as suas pêndulas; nem
por não acabar nunca deixa de querer saber a duração das felicidades e dos
suplícios. Há de dobrar o gozo aos bem-aventurados do céu conhecer a soma dos
tormentos que já terão padecido no inferno os seus inimigos; assim também a
quantidade das delícias que terão gozado no céu os seus desafetos aumentará as
dores aos condenados do inferno. Este outro suplício escapou ao divino Dante; mas eu não estou aqui para
emendar poetas. Estou para contar que, ao cabo de um tempo não marcado,
agarrei-me definitivamente aos cabelos de Capitu, mas então com as mãos, e
disse-lhe, — para dizer alguma coisa, — que era capaz de os pentear, se
quisesse.
— Você?
— Eu mesmo.
— Vai embaraçar-me o cabelo todo, isso sim.
— Se embaraçar, você desembaraça depois.
— Vamos ver.
(ASSIS, Machado de. Dom Casmurro.
São Paulo: Klick Editora,
1999. p.p. 70-72.)
Agregado: que vive em uma casa como pessoa da
família.
Pataca: antiga moeda de prata.
Mascate: ambulante que percorre as ruas
vendendo coisas.
Tosca: sem refinamento, grosseiro.
Oblíqua: que disfarça os sentimentos.
Dissimulada: que não demonstra o que sente ou o
que pensa.
Ressaca: movimento brusco da onda do mar.
Pêndulas: corpo pesado que oscila preso em um
ponto fixo.
Dante: poeta italiano.
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ATIVIDADE
DE LEITURA
QUESTÃO 3
Nos textos, é comum que o narrador utilize descrições para nos fazer
conhecer as personagens, o tempo e o espaço. Para isso, ele pode lançar mão de
duas formas de descrição: a objetiva e a subjetiva. A primeira funciona como um
“retrato verbal”, ou seja, mostra algo com precisão, de modo concreto, sem a
emissão de juízos de valor. Já na descrição subjetiva, as impressões pessoais e
o envolvimento do narrador com o objeto descrito transparecem, revelando como
ele percebe, sente e encara a realidade.
Na passagem abaixo, identifique e comente o tipo de
descrição utilizada pelo narrador para falar a respeito do olhar de Capitu.
“Retórica dos namorados, dá-me uma comparação
exata e poética para dizer o que foram aqueles olhos de Capitu. Não me acode
imagem capaz de dizer, sem quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me
fizeram. Olhos de ressaca? Vá, de ressaca. É o que me dá ideia daquela feição
nova. Traziam não sei que fluido misterioso e enérgico, uma força que arrastava
para dentro, como a vaga que se retira da praia, nos dias de ressaca.”
Habilidade trabalhada
Caracterizar os processos de descrição
objetiva e subjetiva, diferenciando-as.
ATIVIDADE
DE USO DA LÍNGUA
QUESTÃO 4
No texto gerador II, vemos que, a partir da
definição de José Dias em relação aos olhos de Capitu, Bentinho resolve
observá-los para ver a impressão que lhe causavam. Considerando os adjetivos e
os verbos empregados, responda:
Qual a diferença entre as opiniões de José Dias e
de Bentinho sobre o olhar de Capitu?
Habilidade trabalhada
Reconhecer a carga semântica de afetividade, de
crítica ou de ironia no emprego de verbos e adjetivos.
ATIVIDADE
DE USO DA LÍNGUA
QUESTÃO 5
A
regência de um verbo ou de um nome
diz respeito à exigência ou não de determinada preposição para completar seu
sentido. Observe que na passagem “Não me acode imagem capaz de dizer, sem
quebra da dignidade do estilo, o que eles foram e me fizeram.”, podemos
observar a regência nominal do adjetivo capaz, que exige um complemento
com preposição: “de dizer” (o que eles foram e me fizeram). Ainda no mesmo
fragmento, podemos observar o caso de um verbo cuja regência não exige um
complemento preposicionado: o verbo acudir em “Não me acode imagem”.
Observa-se que o complemento verbal “imagem” foi usado corretamente sem
preposição de ligação.
A
partir disso, releia o parágrafo 15, que se inicia com “Retórica dos namorados”
e atente para o contexto semântico, ou seja, para as ideias desenvolvidas
naquele parágrafo. Em seguida, observe a seguinte sequência:
“agarrei-me às outras partes
vizinhas, às orelhas, aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros”.
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Compare-a a esta outra sequência, retirada de outra
passagem do mesmo romance:
“Capitu
agarrou-me, mas, ou por temer que
eu acabasse fugindo, ou por negar de outra maneira, correu adiante e apagou o
escrito.”
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Em cada uma das sequências, o verbo agarrar está utilizado com regência
diversa, ou seja, exigindo complemento com preposição em um caso, e sem
preposição no outro. Na primeira, está funcionando como transitivo indireto,
regido pela preposição a, na
segunda, está funcionando como transitivo direto, ou seja, complementa-se
sem a necessidade do uso de preposição. Com base nisso, responda:
A) Identifique os
sentidos que o uso das regências distintas provoca em relação ao verbo agarrar.
B) Em relação à primeira sequência, explique a
ausência do acento grave em “aos braços, aos cabelos espalhados pelos ombros”
Habilidade
trabalhada
Identificar mecanismos linguísticos no uso da
regência e da crase.
TEXTO GERADOR III
O terceiro gerador é um fragmento de “O Alienista”, texto de
Machado de Assis publicado na coletânea “Papéis Avulsos” (1882). O protagonista
dessa narrativa é o médico Simão Bacamarte que, dedicando-se aos estudos da
mente humana, funda a Casa Verde, local para internação de seus pacientes.
Embora alguns o considerem como novela, dada sua extensão, este texto integra o
conjunto de contos célebres de Machado e, tal como tantas outras histórias do
autor, é marcado pela ironia e humor ao refletir criticamente os hábitos da
sociedade do século XIX.
O Final do § 4º
(...)
Não só findaram as queixas contra o alienista, mas até nenhum ressentimento
ficou dos atos que ele praticara; acrescendo que os reclusos da Casa Verde, desde que ele os declarara plenamente
ajuizados, sentiram-se tomados de profundo reconhecimento e férvido entusiasmo.
Muitos entenderam que o alienista merecia uma especial manifestação e deram-lhe
um baile, ao qual se seguiram outros bailes e jantares. Dizem as crônicas que
D. Evarista a princípio tivera ideia de separar-se do consorte, mas a dor de perder a companhia de tão grande homem
venceu qualquer ressentimento de amor-próprio e o casal veio a ser ainda mais
feliz do que antes.
(...)
Entretanto,
a Câmara, que respondera o ofício de Simão Bacamarte com a ressalva de que oportunamente estatuiria em relação ao final do § 4°,
tratou enfim de legislar sobre ele.
Foi adotada, sem debate, uma postura, autorizando o alienista a agasalhar na Casa Verde as pessoas que
se achassem no gozo do perfeito equilíbrio das faculdades mentais. E porque a
experiência da Câmara tivesse sido dolorosa, estabeleceu ela a cláusula de que a autorização era provisória, limitada a um ano, para o
fim de ser experimentada a nova teoria psicológica, podendo a Câmara antes
mesmo daquele prazo mandar fechar a Casa Verde, se a isso fosse aconselhada por
motivos de ordem pública. O vereador Freitas propôs também a declaração de que
em nenhum caso fossem os vereadores recolhidos ao asilo dos alienados: cláusula
que foi aceita, votada e incluída na postura, apesar das reclamações do
vereador Galvão. O argumento principal deste magistrado é que a Câmara
legislando sobre uma experiência científica, não podia excluir as pessoas dos
seus membros das consequências da lei; a exceção era odiosa e ridícula. Mal proferira estas duas palavras, romperam
os vereadores em altos brados contra a audácia e insensatez do colega; este,
porém, ouviu-os e limitou-se a dizer que votava contra a exceção.
— A vereança, concluiu ele, não nos dá
nenhum poder especial nem nos elimina do espírito humano.
Simão
Bacamarte aceitou a postura com todas as restrições.
Quanto à exclusão dos vereadores, declarou que teria profundo sentimento se
fosse compelido a recolhê-los à Casa
Verde; a cláusula, porém, era a melhor prova de que eles não padeciam do perfeito equilíbrio das
faculdades mentais. Não acontecia o mesmo ao vereador Galvão, cujo acerto na
objeção feita, e cuja moderação na resposta dada às invectivas dos colegas mostravam da parte dele um cérebro bem
organizado; pelo que rogava à Câmara
que lho entregasse. A Câmara sentindo-se ainda agravada pelo proceder do
vereador Galvão, estimou o pedido do alienista e votou unanimemente a entrega.
Compreende-se
que, pela teoria nova, não bastava um fato ou um dito para recolher alguém à
Casa Verde; era preciso um longo exame, um vasto inquérito do passado e do presente. O padre Lopes, por exemplo, só
foi capturado trinta dias depois da postura, a mulher do boticário quarenta dias. A reclusão
desta senhora encheu o consorte de indignação. Crispim Soares saiu de casa espumando de cólera e declarando
às pessoas a quem encontrava que ia arrancar as orelhas ao tirano. Um sujeito,
adversário do alienista, ouvindo na rua essa notícia, esqueceu os motivos de dissidência, e correu à casa de Simão
Bacamarte a participar-lhe o perigo que corria. Simão Bacamarte mostrou-se
grato ao procedimento do adversário, e poucos minutos lhe bastaram para
conhecer a retidão dos seus
sentimentos, a boa-fé, o respeito humano, a generosidade; apertou-lhe muito as
mãos, e recolheu-o à Casa Verde.
— Um
caso destes é raro, disse ele à mulher pasmada.
Agora esperemos o nosso Crispim.
Crispim
Soares entrou. A dor vencera a raiva, o boticário não arrancou as orelhas ao
alienista. Este consolou o seu privado, assegurando-lhe que não era caso
perdido; talvez a mulher tivesse alguma lesão cerebral; ia examiná-la com muita
atenção; mas antes disso não podia deixá-la na rua. E, parecendo-lhe vantajoso
reuni-los, porque a astúcia e
velhacaria do marido poderiam de certo modo curar a beleza moral que ele
descobrira na esposa, disse Simão Bacamarte:
— O
senhor trabalhará durante o dia na botica, mas almoçará e jantará com sua
mulher, e cá passará as noites, e os domingos e dias santos.
A
proposta colocou o pobre boticário na situação
do asno de Buridan. Queria viver com a mulher, mas temia voltar à Casa Verde;
e nessa luta esteve algum tempo, até que D. Evarista o tirou da dificuldade,
prometendo que se incumbiria de ver a amiga e transmitiria os recados de um
para outro. Crispim Soares beijou-lhe as mãos agradecido. Este último rasgo de egoísmo pusilânime pareceu sublime
ao alienista.
Ao cabo de cinco meses estavam alojadas umas dezoito pessoas; mas Simão Bacamarte não afrouxava; ia de rua em rua, de casa em
casa, espreitando, interrogando,
estudando; e quando colhia um enfermo levava-o com a mesma alegria com que
outrora os arrebanhava às dúzias. Essa mesma desproporção confirmava a teoria
nova; achara-se enfim a verdadeira patologia
cerebral. Um dia, conseguiu meter na Casa Verde o juiz- de- fora; mas procedia
com tanto escrúpulo que o não fez
senão depois de estudar minuciosamente
todos os seus atos, e interrogar os principais da vila. Mais de uma vez esteve
prestes a recolher pessoas perfeitamente desequilibradas; foi o que se deu com
um advogado, em quem reconheceu um tal conjunto de qualidades morais e mentais,
que era perigoso deixá-lo na rua. Mandou prendê-lo; mas o agente, desconfiado,
pediu-lhe para fazer uma experiência; foi ter com um compadre, demandado por um
testamento falso, e deu-lhe de conselho que tomasse por advogado o Salustiano;
era o nome da pessoa em questão.
—
Então, parece-lhe?
— Sem
dúvida, vá, confesse tudo, a verdade inteira, seja qual for, e confie-lhe a
causa.
O homem
foi ter com o advogado, confessou ter falsificado o testamento e acabou pedindo
que lhe tomasse a causa. Não se negou o advogado; estudou os papéis, arrazoou longamente, e provou a todas
as luzes que o testamento era mais que verdadeiro. A inocência do réu foi solenemente proclamada pelo juiz e a herança passou-lhe às mãos. O distinto jurisconsulto deveu a esta experiência
a liberdade. Mas nada escapa a um espírito original e penetrante. Simão
Bacamarte, que desde algum tempo notava o zelo, a sagacidade, a paciência, a moderação daquele agente, reconheceu a
habilidade e o tino com que levara a cabo uma experiência tão melindrosa e
complicada, e determinou recolhê-lo imediatamente à Casa Verde; deu-lhe,
todavia, um dos melhores cubículos.
Os
alienados foram alojados por classes. Fez-se uma galeria de modestos; isto é,
os loucos em quem predominava esta perfeição moral; outra de tolerantes, outra
de verídicos, outra de símplices,
outra de leais, outra de magnânimos, outra de sagazes, outra de sinceros, etc.
Naturalmente as famílias e os amigos dos reclusos bradavam contra a teoria; e alguns tentaram compelir a Câmara a cassar
a licença. A Câmara, porém, não esquecera a linguagem do vereador Galvão, e, se
cassasse a licença, vê-lo-ia na rua e restituído
ao lugar; pelo que, recusou. Simão Bacamarte oficiou aos vereadores, não
agradecendo, mas felicitando-os por esse ato de vingança pessoal.
(...)
(ASSIS, Machado de. O Alienista. In Contos Escolhidos. Coleção “Clássicos da
Literatura”. São Paulo: Distribuição exclusiva Galex, p.39-86. Texto adaptado.)
Afrouxava: enfraquecia.
Agasalhar: hospedar.
Alienista: especialista em doenças mentais.
Alojadas: recolhidas.
Ao cabo: ao fim.
Arrazoou: discutiu.
Asno: tolo.
Astúcia: sagacidade.
Boticário: farmacêutico.
Bradavam:
divulgavam em altas vozes.
Cassar: tornar
nulo ou sem efeito; anular, cancelar, invalidar.
Cláusula: condição
ou preceito que faz parte de um tratado, de um contrato ou de qualquer outro
documento público ou particular.
Compelido: obrigado.
Compelir: obrigar.
Consorte: cônjuge; sentido de “marido” no texto.
Dissidência: divergência de opiniões.
Escrúpulo: zelo.
Espreitando: observando, analisando.
Espumando de cólera: possuindo furor violento.
Estatuiria:
determinaria, regulamentaria por meio de estatuto.
Findaram: acabaram.
Invectivas: ataques violentos e injuriosos.
Inquérito: interrogatório.
Jurisconsulto: advogado
perito na ciência do Direito e especializado em dar pareceres sobre questões
jurídicas; jurisperito, jurista.
Legislar: estabelecer
ou decretar leis.
Minuciosamente: detalhadamente.
Ofício:
documento expedido pelas autoridades, associações e secretarias sobre assunto
de serviço público ou particular.
Padeciam: sofriam.
Pasmada: admirada.
Patologia: ciência
que estuda a origem, os sintomas e a natureza das doenças.
Proferira: pronunciara.
Proclamada: aclamada.
Provisória: temporária.
Pusilânime: covarde.
Rasgo: ímpeto.
Reclusão: prisão.
Reclusos: aqueles que se mantêm em lugar
fechado.
Ressalva: nota em
que se corrige um erro que passou no texto.
Restrições: limitações.
Retidão: integridade de caráter.
Restituído: reposto
no estado anterior.
Rogava: suplicava.
Sagacidade: perspicácia.
Situação de asno de Buridan: situação de indecisão, conflito.
Solenemente: acompanhada de formalidades que a lei ou o costume impõem.
Sublime: grandioso, extraordinário.
Vereança: cargo de vereador.
Verídicos: que
dizem a verdade.
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ATIVIDADE
DE USO DA LÍNGUA
QUESTÃO 6
O conto “O
alienista”, de Machado de Assis, tem como protagonista Simão Bacamarte, médico
que dedicou sua vida ao estudo da loucura humana. Com autorização da Câmara
Municipal, Bacamarte constrói a Casa Verde, local de internação para seus
pacientes.
No fragmento
abaixo, pode-se perceber uma situação irônica, envolvendo a Casa Verde, o
vereador Galvão e o pensamento de Simão Bacamarte. Explique a relação irônica
entre adjetivos e verbo destacados no trecho abaixo, contextualizando com a
situação política e social expressa na obra de Machado de Assis:
Simão Bacamarte aceitou a postura com todas as restrições.
Quanto à exclusão dos vereadores, declarou que teria profundo sentimento se fosse compelido a recolhê-los à
Casa Verde; a cláusula, porém, era a melhor prova de que eles não padeciam do perfeito equilíbrio
das faculdades mentais.
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Habilidade
trabalhada
Reconhecer a carga semântica de
afetividade, de crítica ou de ironia no emprego de verbos e adjetivos.
ATIVIDADE
DE USO DA LÍNGUA
QUESTÃO
7
A coesão é
elemento de integração do texto e fator importante na construção da coerência
textual. Ela pode ser do tipo referencial,
quando, por exemplo, retoma ou antecipa algum termo, como em “Fui obrigado a
dar meu cachorro, mas nunca deixei de amar aquele cão.” Aqui, o
substantivo cão retoma, através de outro substantivo sinônimo, o termo cachorro,
anteriormente mencionado. Assim, sabemos que “cão” refere-se ao cachorro que
alguém foi obrigado a dar.
Já a coesão sequencial é aquela que ordena a
sequência no tempo, no espaço, por ordem de assunto etc. ou que estabelece
algum tipo de relação entre os segmentos através dos conectores. Em “Antes da
meia-noite aquele trabalho não estará pronto”, por exemplo, o sequenciador “antes
da meia-noite” estabelece a ordem temporal para que um determinado trabalho
se complete.
Tendo em vista
as noções de coesão aprendidas, observe os fragmentos e responda:
Fragmento 1 -
“O argumento
principal deste magistrado é que a
Câmara legislando sobre uma experiência científica, não podia excluir as
pessoas dos seus membros das consequências da lei; a exceção era odiosa e
ridícula. Mal proferira estas duas palavras, romperam os vereadores em altos
brados contra a audácia e insensatez do colega”.
A)
A que elemento
do texto fazem referência os termos “deste magistrado” e “colega” no fragmento 1?
B)
A que ideia
fazem referência os termos audácia e
insensatez, presentes na passagem
acima transcrita (penúltima linha)?
Fragmento 2 –
E porque a experiência da Câmara tivesse sido dolorosa,
estabeleceu ela a cláusula de que a autorização era provisória, limitada a um
ano, para o fim de ser experimentada a nova teoria psicológica, podendo a Câmara antes mesmo daquele prazo
mandar fechar a Casa Verde, se a isso fosse aconselhada por motivos de ordem
pública.
C)
Substitua o segundo termo grifado no
fragmento 2, extraído do segundo parágrafo do texto, por outro que estabeleça
com o primeiro uma relação de coesão referencial coerente.
D)
A expressão “antes mesmo daquele prazo”, também retirada do fragmento 2, apresenta dois
tipos de coesão: a sequencial e a referencial, visto que ao mesmo tempo em que
marca uma ordem temporal, retoma algo que já havia sido dito. A expressão
“daquele prazo” retoma “limitada a um ano”, configurando-se como o tipo de
coesão que chamamos referencial. E o sequenciador “antes”, a que tempo remete?
Habilidade trabalhada
Identificar e empregar mecanismos de
coesão referencial e sequencial.
TEXTO GERADOR IV
O
romance “O mulato”, escrito por Aluísio Azevedo e publicado em 1881, é
considerado marco inicial do Naturalismo no Brasil. A narrativa aborda o
preconceito racial sofrido por Raimundo, jovem mulato recém-chegado da Europa e
que deseja se casar com Ana Rosa. A obra
mostra a sociedade maranhense que, como o restante do país, sofreu influências
das teorias
raciais pseudocientíficas do século XIX. A partir deste gerador, serão abordadas
questões de leitura e de uso da língua.
Capítulo 12
(...) E Raimundo antejulgava
perfeitamente que aquele empenho de Manuel em negar-lhe a filha, longe de arredá-la do seu amor, mais e mais o
empurrava para ela, ligando-a para sempre ao seu destino.
— Terá sua filha alguma secreta enfermidade, que levasse o médico a
proibir-lhe o casamento? Terá algum defeito orgânico?...
— Oh! Com efeito! O senhor tortura-me
com as suas perguntas!... Creia que, se eu pudesse dizer-lhe a causa de minha
recusa, tê-lo-ia feito desde logo! Oh! Raimundo não pôde conter-se e disparatou, fazendo estacar o seu cavalo.
— Mas o senhor deve compreender a minha
insistência! Não se diz assim, sem mais nem menos, a um homem que vem, legítima
e conscienciosamente, pedir a mão de uma senhora, que a isso o autorizou. Não
lha dou, porque não quero! Por que não quer?! Porque não! Não posso dizer o
motivo!... É boa! Tal recusa significa uma ofensa direta a quem faz o pedido!
Foi uma afronta à minha dignidade. O
senhor há de concordar que me deve uma resposta, seja qual for! Uma desculpa!
Uma mentira, muito embora! Mas, com todos os diabos! É necessária uma razão
qualquer!
— É justo, mas...
— Se me dissesse: Oponho-me ao
casamento, porque antipatizo solenemente com o seu caráter. Sim senhor! Não
seria uma razão plausível, mas
estaria no seu direito de pai, mas o senhor...
— Perdão! Eu não podia dizer semelhante
coisa, depois de o haver elogiado por várias vezes, e ter-me declarado, como
repito, seu amigo e seu apreciador...
— Mas então?! Se é meu amigo, que diabo!
Diga-me a razão com franqueza! Tire-me, por uma vez, deste maldito inferno da
dúvida! Declare-me o segredo da sua recusa, seja qual for, ainda que uma
revelação esmagadora! Estou disposto a aceitar tudo, tudo! Menos o mistério,
que esse tem sido o tormento da minha vida! Vamos, fale! Suplico-lhe por...
aquele que caiu assassinado!- E apontou na direção da cruz. Era seu irmão e
dizem que meu pai... Pois bem, peço-lhe por ele que me fale com franqueza! Se
sabe alguma coisa dos meus antepassados e do meu nascimento, conte-me tudo!
Juro-lhe que lhe ficarei reconhecido por isso! Ou, quem sabe? Serei tão
desprezível a seus olhos, que nem sequer lhe mereça tão miserável prova de
confiança?...
— Não! Não! Ao contrário, meu amigo! Eu
até levaria muito em gosto o seu casamento com a minha filha, no caso de que
isso tivesse lugar!... E só peço a Deus que lhe depare a ela um marido
possuidor das suas boas qualidades e do seu saber; creia, porém, que eu, como
bom pai, não devo, de forma alguma, consentir em semelhante união. Cometeria um
crime se assim procedesse!...
— Com certeza há parentesco de irmão
entre ela e eu!
— Repare que me está ofendendo...
— Pois defenda-se, declarando tudo por
uma vez!
— E o senhor promete não se revoltar com
o que eu disser?...
— Juro. Fale!
Manuel sacudiu os ombros e resmungou
depois, em ar de confidência:
— Recusei-lhe a mão de minha filha,
porque o senhor é... é filho de uma escrava...
— Eu?!
— O senhor é um homem de cor!...
Infelizmente esta é a verdade...
Raimundo tornou-se lívido. Manuel
prosseguiu, no fim de um silêncio:
— Já vê o amigo que não é por mim que
lhe recusei Ana Rosa, mas é por tudo! A família de minha mulher sempre foi
muito escrupulosa a esse respeito, e como ela é toda a sociedade do Maranhão!
Concordo que seja uma asneira; concordo que seja um prejuízo tolo! O senhor,
porém, não imagina o que é por cá a prevenção contra os mulatos!... Nunca me
perdoariam um tal casamento; além do que, para realizá-lo, teria que quebrar a
promessa que fiz a minha sogra, de não dar a neta senão a um branco de lei,
português ou descendente direto de portugueses!... O senhor é um moço muito
digno, muito merecedor de consideração, mas... foi forro à pia, e aqui ninguém
o ignora.
— Eu nasci escravo?!...
— Sim, pesa-me dizê-lo e não o faria se
a isso não fosse constrangido, mas o senhor é filho de uma escrava e nasceu
também cativo.
Raimundo abaixou a cabeça. Continuaram a
viagem. E ali no campo, à sombra daquelas árvores colossais, por onde a espaços a Lua se filtrava tristemente, ia
Manuel narrando a vida do irmão com a preta Domingas. Quando, em algum ponto hesitava por delicadeza em dizer toda a
verdade, o outro pedia-lhe que prosseguisse francamente, guardando na aparência
uma tranquilidade fingida. O negociante contou tudo o que sabia.
— Mas que fim levou minha mãe?... a
minha verdadeira mãe? Perguntou o rapaz, quando aquele terminou. Mataram-na?
Venderam-na? O que fizeram dela?
— Nada disso; soube ainda há pouco que
está viva... É aquela pobre idiota de São Brás.
(...)
— Mulato!
Esta só palavra explicava-lhe agora
todos os mesquinhos escrúpulos, que a sociedade do Maranhão usara para com ele.
Explicava tudo: a frieza de certas famílias a quem visitara; a conversa cortada
no momento em que
Raimundo se aproximava; as reticências dos que lhe falavam
sobre os seus antepassados; a reserva e a cautela dos que, em sua presença,
discutiam questões de raça e de sangue; a razão pela qual D. Amância lhe
oferecera um espelho e lhe dissera: Ora mire-se! a razão pela qual, diante
dele, chamavam de meninos aos moleques da rua. Aquela simples palavra dava-lhe
tudo o que ele até aí desejara e negava-lhe tudo ao mesmo tempo, aquela palavra
maldita dissolvia as suas dúvidas, justificava o seu passado; mas retirava-lhe
a esperança de ser feliz, arrancava-lhe a pátria e a futura família; aquela
palavra dizia-lhe brutalmente: Aqui, desgraçado, nesta miserável terra em que
nasceste, só poderás amar uma negra da tua laia! Tua mãe, lembra-te bem, foi
escrava! E tu também o foste!
(AZEVEDO, Aluísio. O mulato. Disponível em:
http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/omulato.pdf. Acesso em: 10/02/2013. p.
203-207.)
Afronta: injúria.
Arredá-la: afastá-la.
Colossais: enormes.
Disparatou: desvairou-se.
Enfermidade: doença.
Estacar: fazendo
parar, tornar imóvel.
Hesitava: estava
incerto ou perplexo a respeito do que se há de dizer ou fazer.
Orgânico: diz-se da
doença em que a perturbação funcional se origina de uma lesão dos órgãos.
Plausível: aceitável.
|
ATIVIDADE
DE LEITURA
QUESTÃO 8
No
fragmento acima, retirado do romance naturalista “O mulato”, de Aluísio
Azevedo, o pai da noiva reage contra o casamento de Raimundo e Ana Rosa,
alegando que, por ser negro, filho de escrava, o rapaz não estaria autorizado a
concretizar seu desejo. Diante disso, responda:
A.
Manuel Pescada
se recusa a conceder a mão de Ana Rosa a Raimundo. Identifique o momento em que Raimundo descobre
o motivo de tal rejeição e explique a reação dos personagens.
B.
Como Manuel
Pescada expõe a posição contrária ao casamento entre Raimundo e Ana Rosa? E o
que isso diz sobre a sociedade da época?
Habilidade trabalhada
Relacionar a literatura realista/naturalista
ao contexto sócio-histórico.
ATIVIDADE
DE USO DA LÍNGUA
QUESTÃO 9
Em sua estrutura, as orações apresentam termos
considerados integrantes. Tais termos são constituídos por objetos direto e
indireto, complemento nominal e agente da passiva, que possuem o papel de
completar o sentido de verbos e nome (no caso do complemento nominal). A partir
disso, responda:
A) Analise, no recorte abaixo, a expressão “contra os mulatos”. Considerando o termo que ela completa,
pode-se afirmar que se trata de que termo integrante da oração? Justifique.
“O
senhor, porém, não imagina o que é por cá a prevenção contra os mulatos!... Nunca me perdoariam um tal casamento; além do
que, para realizá-lo, teria que quebrar a promessa que fiz a minha sogra, de
não dar a neta senão a um branco de lei, português ou descendente direto de
portugueses!”
B) Identifique um objeto
direto na passagem.
“
Explicava tudo: a frieza de certas famílias a quem visitara; a conversa cortada
no momento em que
Raimundo se aproximava; as reticências dos que lhe falavam
sobre os seus antepassados; a reserva e a cautela dos que, em sua presença,
discutiam questões de raça e de sangue.”
C) Leia o trecho seguinte e identifique um objeto direto e um objeto indireto.
“Quando,
em algum ponto hesitava por delicadeza em dizer toda a verdade, o outro
pedia-lhe que prosseguisse francamente, guardando na aparência uma
tranquilidade fingida.”
Habilidade trabalhada
Reconhecer os termos integrantes da oração
ATIVIDADE
DE PRODUÇÃO TEXTUAL
QUESTÃO 10
Leia atentamente o fragmento a seguir:
No século XIX, as diferenças entre os grupos humanos tenderam a ser
explicadas pelas teorias raciais, que se apresentaram como um discurso
científico. Serviram como legitimadoras do imperialismo europeu,
possibilitando a hierarquização da humanidade de forma que o homem branco
ocupasse o topo da evolução da espécie, símbolo maior do progresso e da
civilização. Estas doutrinas raciais - que ganharam força na Europa no século
XIX, através de autores como Darwin (1809-1882), Spencer (1820-1903),
Gobineau (1816-1882) e tantos outros - foram bem recebidas entre os
intelectuais brasileiros, que buscaram explicar os problemas nacionais e suas
soluções através do fator raça.
O racismo do século XIX foi
responsável pela constituição de diversas representações que identificavam o
branco como inteligente, inventivo e fisicamente sadio; enquanto os demais
indivíduos sejam eles mestiços, negros ou amarelos, tenderam a ser
ligados à inferioridade biológica, representantes da imoralidade, da
barbárie e do atraso.
(In:
http://www.historiaehistoria.com.br/materia.cfm?tb=alunos&id=313#_ftn1.
Fragmento adaptado)
|
Você viu, neste Roteiro
de Atividades, um trecho da obra de Aluísio Azevedo, “O Mulato”, romance
naturalista que aborda o preconceito racial. Ao responder à questão 8, você pôde
notar como a visão da sociedade a respeito do negro foi decisiva para o destino
do protagonista Raimundo, impedido de se casar com seu grande amor. Na época
retratada na narrativa, a ideia de inferioridade de grupos étnicos como negros
e indígenas buscava fundamentação científica para se legitimar, o que explica a
rejeição sofrida pelo personagem. Hoje, todos sabem que aquela suposta
inferioridade não passava de um mito criado para sujeitar e humilhar
determinados grupos. Tanto a história quanto a ciência já provaram que as
diferenças entre os humanos são apenas superficiais (cor de pele e olhos, tipo
de cabelo etc.) e não conferem maior ou menor capacidade a ninguém.
Para se aprofundar mais nesse tema, você está convidado a
produzir um texto dissertativo sobre a influência das teorias pseudocientíficas
do século XIX nas obras literárias do período. Para ajudá-lo nessa tarefa, você
pode seguir estes passos:
1°) Pesquisar mais sobre essas teorias e sua assimilação no
pensamento brasileiro da época;
2°) Listar as principais obras que refletiram, de alguma forma,
concepções racistas embasadas cientificamente;
3°) Selecionar a(s) obra(s) para comentar. No máximo, três;
4°) Levantar os principais aspectos de cada obra escolhida,
observando como a questão foi desenvolvida, sem perder de vista a contribuição
de cada texto para criticar ou denunciar preconceitos;
5°) Fazer um roteiro prévio para a introdução, desenvolvimento e
conclusão do texto a ser produzido.
Caso precise de auxílio para estruturar o seu texto, peça ao
seu professor.
Agora, mãos à obra!
Habilidade
trabalhada
Elaborar
texto dissertativo sobre os textos literários estudados, considerando a
influência que sofreram das teorias raciais pseudocientíficas do século XIX.
Referencia Bibliográfica: Curso de Formação Continuada / SEEDUC / RJ
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